segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Benfica-Paços

Benfica – Paços de Ferreira A princesa foi ao castelo, estava linda com os adidas pretos, calças de ganga azuis com uma dobra pelos tornozelos e a blusa preta das andorinhas. Emanava aquela luz, aquele brilho das manhãs em que a conheci. Partiu deixando um rasto a doçura espalhado por toda a casa. Fiquei eu, o seu cheiro em cada coisa, o gato e o sofá. E a Benfica TV, por uma vez toda a tarde só minha. Contra todas as possibilidades, trocaria aquela liberdade, eu e o zapping, Benfica TV, Eurosport, Liga Inglesa, Vuelta, antevisão cheia de perguntas e respostas estúpidas, pela ida ao castelo com a princesa. Creio que a isto se chama amor. Chegou rápido a hora do jogo. Do limbo que retive, penso que o Benfica não fez um bom jogo mas o mais importante foi conseguido. Que frase futeboleira mais original! Lamento a ausência, minha e de tantos outros, no estádio. Há certamente muitas razões para – perdoem-me a utilização desta palavra - tanta indiferença. Eu próprio, que não passo um dia sem pensar no Benfica, não sinto a motivação necessária para ir ao estádio. E dou muitos argumentos para tal, a maioria de mim para mim, autojustificando-me. O facto é que quase nada correu bem até agora e todos os ventos nos guiam em direcção ao precipício de mais um ano sem ganhar. Tudo envolvido em ignorância bacoca a popularismo imbecil. Em traumas de grandeza e humildades falsas, com gente de fora ao leme, sem amor e sem respeito. Correu bem, ainda assim, o jogo. Depois, bem, após jogo tivemos mais uma oportunidade perdida. Mais do que tantos lugares comuns debitados, teria de ter havido alguém, alguém da “estrutura”, da puta da “estrutura”, que tivesse dito ao JJ “mister, uma só frase, ganhámos a uma equipa difícil que na semana passada perdeu com o Porto com um golo irregular”. Todo este sentimento de fim de época fracassada contamina-me, esta desistência e ambiente de intrigas de corte enoja-me e magoa-me. O sonho mantém-se, não o conseguem extinguir. Até ao dia da capitulação de quem não gosta do Benfica.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A festa

A festa era no segundo esquerdo do último prédio também à esquerda da rua, em casa da Cinda e da Nuzka. Encharquei-me em after-shave Vert Sauvage do meu pai. Não sei se pela natureza ou pelo excesso, o cheiro intenso invadiu-me em tontura, uma espécie de alucinação a que teimei em dar continuação, olhando-me ao espelho, mais um pouco de gel, espelho, passando os dedos para um ar desgrenhado, vestindo um polo azul, depois preto, não, azul, finalmente branco, três botões apertados, calças de ganga azuis com dobras nos tornozelos e all-star vermelhos – look new-age, assim à moda dos Joy Division, Smiths ou dos Cure. Conveniente preparado, de modas e pequenos e castanhos facilitadores de alegria, desci ao encontro do Elvis e do Jonas. E, espanto dos espantos, ambos usavam polos brancos e calças de ganga com dobras nos tornozelos. Apenas diferia a cor dos all-star, pretos do Jonas, brancos do Elvis. Creio que todos nos sentimos orgulhosos desta coincidência, embora tentássemos, por pouco tempo e sem convicção, convencer os outros a mudar qualquer coisa no visual. Ninguém se incomodou a subir a casa e alterar uma peça que fosse. Assim, chegámos à festa como aqueles filhos dos betos que víamos no centro comercial, todos iguais, mesmos cabelos à tigela, polo, calções azuis-escuros compridos com bolsos de lado e sapatos de vela, e dirigimo-nos para o quarto do lado direito, que na verdade era a sala de estar. Nesse dia, porém, estava transformada em pista de dança, bola-de-espelhos e tudo, e em bar. Creio que fomos os últimos a chegar, fruto de duas pausas, óleo e tabaco dissolvidos em fumo, confusão, risos e filosofias, finalmente em paz feita de torpor. O Elvis segurou a mesa das bebidas até ao final, ou pelo menos até ao seu final, agarrado à sanita a expelir um líquido espesso e acastanhado. O Jonas perdi-o depois da minha primeira dança, quase instantânea, com a linda hippie de Moscavide. Já a tinha vista por uma vez, de passagem, e assim que entrei convidou-me para dançar. Antes do fim da primeira música, sem sequer termos trocado uma palavra, beijámo-nos, como se sempre soubéssemos o que ali fazíamos, aceitando sem luta o destino. E a sala toda em espanto observou-nos e nós no centro do mundo dançámos acorrentados um ao outro pelos lábios. Até que a festa abruptamente terminou. Perdi-lhe o rasto, até o nome, mas guardo na memória a sua imagem, os cabelos longos pelas costas, os olhos claros e os óculos redondos. E embora não me tivesse parecido, eu e ela fomos quem se portou pior na festa segundo o irmão da Cinda e da Nuzka, opinião cheia de ciúmes, pensei.

Paralelo

Paralelo à ignorância segue a vontade de não mudar
Tanto como na mudança reside toda a vulnerabilidade.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Não vejo os jogos do Benfica

Não vejo os jogos do Benfica. Às vezes estou lá, por dentro, carne e coração envolvidos por um só grito, um rumor crescente de carinho, outras em casa prostrado em frente à televisão e em nenhuma destas ocasiões vejo o jogo. Mas em ambas olho e até me finjo entendido nas movimentações, mestre nas alterações tácticas, vidente de simulações e substituições e julgo respirar. Toda a atenção que dedico, humilde e voluntária, subtrai-me e diminui-me até, já de rastos, ver o jogo terminado. E mesmo então, acariciado com o leve calor da vitória ou violentado pela chuva ácida da derrota, tento resumir e saem-me palavras em branco. Como se desejasse, e ah como o desejo, que toda a vida ali decorresse - noventa minutos sobre noventa minutos, e eu extasiado e confuso, profundamente deprimido e no segundo seguinte ardente de alegria, entre o pânico, a frustração e a sublimação - por forma a um dia, mais adulto de emoções, poder então explicar como foi o jogo. Como foi o jogo? Ah, soubessem eles, tivessem eles esta cegueira de amor incondicional e não me questionariam. Não entendem que toda a ilusão que dispenso, a força dos nervos e dos músculos, a função das veias e dos poros, todos os ossos, se destinam apenas a esses noventa minutos e que durante esse hiato, parado, imune, imortal, não retenho memórias porque não tenho medo do futuro.